terça-feira, 15 de setembro de 2015

Norberto: 1



Cidade do Porto, Portugal - 1512

- Eu financio tua viagem para África, mas quero metade do lucro sobre a venda de escravos!
"Não gosto muito de trabalhar com escravos", pensou Norberto coçando a cabeça. "Ainda mais devendo para alguém, mas se não tem outro jeito":
- Por quanto tempo? - Perguntou Norberto demonstrando interesse.
- Mas que raio de pergunta é esta? Se esta tentando seguir para as Índias levando essa pólvora e armas, pretendes trazer escravos, marfim, não é? E ouro até os Açores e de lá açúcar! Pois quero metade do lucro por
cabeça de negro...
- Tudo bem, amigo, terás metade do lucro sobre os negros sem problemas. Apenas me dê um tempo para arrumar as coisas por aqui se possível. A propósito você virá também ou ficará aqui esperando o retorno?
- Por certo que não, pois tenho meu próprios negócios a tocar. Serei apenas o mecenas de sua empreitada ao mar. Aqui está o contrato, assine ao final. Passe em meu banco amanhã e lhe entregarei o dinheiro...
Norberto leu o contrato atenciosamente procurando o que poderia prejudicá-lo no futuro. Nunca fora de muitas leituras, mas aprendera um vocabulário suficiente para lidar com os negócios. No pergaminho ele leu:
"Por meio deste, os assinantes concordam de vontade própria e por completo por dividir em duas partes iguais, todo e qualquer lucro proveniente da venda de escravos negros africanos pela primeira parte, visando o ressarcimento do investimento da segunda parte.

Assinatura da primeira parte     Testemunha

Assinatura da segunda parte     Testemunha".

Norberto colocou o pergaminho nas costas do imediato Rui e assinou um N estilizado. Depois mandou que seu subalterno assinasse como testemunha, o que obrigou-o a fazer um x no local. O mercador partiu deixando uma das vias do contrato com Norberto e levando a outra consigo.
- E então capitão, quando partiremos?
-Assim que eu arrumar minhas malas. Convoque os vermes do mar. Vou pegar o dinheiro amanhã. Me aguarde nas docas.
Norberto foi para o sobrado de sua família. Não teve descanso no restante do dia com tantas providências a tomar. Deixou tudo ajeitado com seu cunhado para cuidar do sobrado durante sua ausência, bem como já encaminhou provisões e materiais com o crédito de que dispunha.
No dia seguinte, antes que o sol raiasse estava diante do Banco Pereira e Figueira do Porto. Sabia que era arriscado ir só, mas sabia se cuidar. Recebeu a carta de crédito do banco, além de quinhentas coroas. Então, dirigiu-se para as docas, onde o bote o aguardava. Rui sorriu vendo que o chefe não demorara, escarrou e fez sinal para os marujos remarem enquanto soltava a corda.
O capitão pisou no navio com seu pé direito e sentiu a brisa do mar no rosto. Ah, o mar, seu verdadeiro lar. A tripulação o cumprimentou no caminho para sua cabine. Ele arrumou suas coisas, olhou as leituras astrais nos mapas, tudo estava pronto. Antes que chamasse, no entanto, Rui, entrou na cabine:
O imediato era um sujeito moreno, fruto da união de um marinheiro catalão com uma paixão africana. Era musculoso e alto, sempre usando duas argolas na orelha esquerda e um lenço na cabeça. 
- Senhor, os mantimentos estão checados, os marinheiros estão apostos, o convés está limpo. Tudo está pronto...
Norberto bateu no ombro de Rui e foi ao convés. Ele encheu o pulmão com o ar salgado e disse com convicção:
- Icem as velas, recolham a âncora! Estamos de partida, cães do mar! Vamos para o sul, rumo à fortuna!
A tripulação gritou em uníssono, saudando o mar que os aguardava e o capitão que os liderava. Todos começam a correr numa harmonia perfeita, içando a vela, levantando a âncora e guiando a caravela para as águas do Atlântico, rumo a Cabo Verde, primeira parada antes do continente africano. O vento jogou o navio contra as águas e logo eles já estavam navegando.
- Senhor, há dois homens supervisionando a carga de pólvora, tecidos, cachaça e vinho... Mais um na quilha de vigília, dois para as velas e um ao leme. Devo reportar-me duas vezes ao dia? Ficará em sua cabine? 
-Reporte uma vez ao dia. Estarei em minha cabine apenas. Prefiro vistoriar a tripulação pessoalmente. Arrume alguém para preparar o porão para homens e não para animais, os escravos deverão estar saudáveis ao nosso retorno.
Norberto voltou para a cabine e escreveu as primeiras linhas do diário de bordo e depois saiu para verificar a tripulação. Ele circulou pelo convés e pode ver a animação dos marinheiros, todos homens embrutecidos pela dura vida do mar, mas ao mesmo tempo homens sensíveis a qualquer mudança nesse grande reino de água. Eles puxavam cordas, jogavam para fora a água que invadia a embarcação, içavam as velas. Estavam todos empolgados, era natural no início das viagens, mas o capitão sabia que o tempo traria a saudade da terra firme, como trouxe do mar. Era bom que se mantivessem na rota e tivessem boas cargas com que lucrar,a fim de saciar o desejo por ouro que arrasta os homens ao mar.
Passaram três dias até chegarem ao porto da ilha Madeira, o pequeno arquipélago ao sudoeste de Portugal. Norberto via os negros que trabalhavam nos campos de cana, andando por todos os lados. Muitos trabalhavam
no porto ancorando os navios ou como carregadores. O capitão Norberto mandou ancorar o navio e preparar o bote para ir ao encontro de Alberto, seu contato e aliado nessas terras que o esperava no cais.
-Organize a tripulação, Rui. Certifique que a dispensa seja reabastecida e depois deixe os marinheiros se divertirem. Quero seis homens aqui todo o tempo! - Ele ordenou pegando uma garrafa de vinho de sua cabine e descendo para o primeiro bote.
- Que os ratos do navio devorem meu fígado! Quanto tempo Alberto! - Foi como cumprimentou o velho amigo antes de por a garrafa em cima de uma caixa para poder dar um forte aperto de mão e um tapa nas costas dele. - Vamos nos sentar em algum lugar para desfrutar deste vinho direto do Porto, pois que de certo ambos temos historias para contar.
- Mas que malditos sejam esses ventos que só carregam a pior escória de Portugal para cá! - Alberto retribuiu o abraço com entusiasmo e guiou Norbeto pelo pier em direção aos armazéns. - As coisas andam paradas por aqui, muitos seguem para África. Depois que o velhaco Bartolomeu achou finalmente o fim ao sul da África lá no Cabo das Tormentas onde morreu, tudo parecia que estava a melhorar. Mas ninguém quer saber das terras de Santa Cruz no oeste...

- Com certeza não deve haver de um nada além de árvores por aquelas terras inóspitas, se fosse meu navegador que me levasse a uma terra inútil, eu o deixaria amarrado no mastro central na companhia das gaivotas toda a viagem de volta - debochou Norberto. - O que importa agora é que beberemos agora e iremos atrás de mulheres depois meses no mar pode deixar um homem doido; com sorte podemos encontrar a tripulação e ter uma festa de verdade com muita bebida e muitas mulheres!
- Ora rapaz, pois digo que tenho aqui uma nova mucama que é um encanto. Vem de Angola e suas ancas são largas. Não sei que fogo há nessas negras, mas ele me consome. - Alberto riu, enquanto já brindavam com o vinho. - Mas tomemos essa garrafa e vamos até o bordel. Eles estão com novas raparigas lá.
-Tome cuidado com suas brincadeiras, amigo, pois já temos mulatinhos demais por aí... - Norberto falou aquilo bebendo e sem olhar para a cor da própria pele. Depois enxugou a boca na manga da blusa. - Mas que coisa! Pelo menos esteve junto com uma mulher enquanto estive no mar! Terminemos logo esse vinho e me leve até esse bordel, quero deixar uns bastardos aqui antes de partir para a África!
Os dois gargalharam enquanto desciam a viela estreita em direção ao bordel. A casa das meretrizesl era um pouco mais que um sobrado de parafitas. Era muito simples, com duas dúzias de mulheres, que se não eram as mais belas, ao menos sabiam como fazer um homem gritar de prazer. Os amigos adentraram e pediram por mais bebida para brindar com as messalinas que já vinha recebê-los. Além deles, Norberto viu alguns de seus marinheiros, um outro trabalhador local e um soturno homem, que conversava num canto reservadamente com Ataulfa, a cafetina.

-Olha Alberto, ainda tem gente  que pensa em trabalho aqui - debochou Norberto falando um tanto alto demais e deixando o vinho lhe subir a cabeça. - Ele deve de estar arrumando raparigas para uma festa particular, não é mesmo?
Sem demora, o capitão e o amigo riram. Norberto atirou algumas pacatas sobre a mesa e tomou uma das damas para si. Escolheu uma de seios tão fartos que poderia dormir sobre eles. A noite foi longa e exaustiva. Ele acordou sentindo a dor de cabeça, o gosto rançoso do vinho na boca e despido na cama, ao lado da messalina.

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